Síndromes agudos…

Revi-te, hoje, sem vertigens. Alucinação pura. Verdade crua. Sim, e nua. Demasiado aguda. Tentei vacilar mas, sem hesitações, perdi-me fundo no desespero.

– sim… o medo enfrenta todos e nenhum. supera-te. sempre. Permanece tranquilo na tua máscara. Mantém-te.

Uma lágrima deslizou, abandonada e melindrosa, pela face. Sim, impune. Nada fiz, nada disse. Resvalei a imprudência. Olhei de novo. Já não estavas. Acordei. Alucinação ou destino?

Sinto-te a frescura…

Éter?

respirei fundo. respirei novamente para ganhar fôlego. Completamente exausto. Gotas tropeçavam-me na pele. Estou morto. Isso. O corpo já ia longe, partiu verso ao fundo. O resto havia de seguir-lhe. Perdi a loucura. Ganhei coragem e respirei uma vez mais. Agora sim, morri de certo. O ar era quente e infernal…

retro satanás. retro

Em constante delírio, desesperos alheios e vontade imprópria, percorre-me. retiras-me dor e cospes o sangue da vida. quero bebe-lo. quero banhar-me. quero atravessar o deserto e ser crucificado. de assassino contíguo sirvo-me das lendas. a perder a luz.

– vade retro satanás…?

e foi-me assim acostumado no corpo a receber mágoas e feridas abertas. cadáveres? ou talvez indistintos na frescura em ténue linha ardente… volta. volta…

um final juízo ou o canto dos cisnes negros

atravessamos o deserto, impunes. Sem dor (como é possível?). Perturbamos um qualquer deus perdido no limiar do horizonte. Perturbamos, enfim, o seu reino. Amplitude parca e poder indefinido decidimos ignorar. Expormo-nos ao perigo.

pensaste que teria desaparecido… nunca! percebeste? nunca! Desiste antes que o teu destino piore. Queres sofrer?

E a compreendermos o novo destino traçado por acatada decisão espinhosa e pungente. E no entanto sem sequer termos consciência. Cada vez mais compreendemos a natureza do medo e do mundo. Queremos recuperar um certo toque, uma certa ligeireza ou inocência relembrada. Queremos efabular…

– Queres perder-te no dia do juízo final? Dissimular, desvirtuar a tua figura?

Perdi-me. Entre mundos e fantasias descontinuei-me. Ame-se o próximo. perdi-me… a encontrar-me um dia sem conf… caí no chão e auto-ficção parou. Estou de novo a sentir a cabeça a latejar. o sangue reaparece ardente, vivo e a desfalecer não tarda…

piedade. de profundis clamo ad te…

sinto-me a sofrer. ou talvez a recuperar de um sono profundo, ou será um sonho?

eternos alheios

foi nessa noite que fiz rir o diabo. desconjuntando-se a memória e estilhaçados os momentos de violência, barbárie e melancolia desregrou-se o limiar da (in)sanidade…

– transforma-te no teu herói. cantas o esplendor. da loucura. anda. aproxima-te. deixa-me ver-te a face. o olhar. os instantes sangrentos da…

e assim desci aos infernos sem decoro. transformei-me inteiramente numa sublime figura cadavérica. morri. ou melhor, talvez não, jazia ensanguentado por aí… perdido por entre frestas de pensamentos alheios. sim sim. consegui. é isso a eternidade. recortar-se da memória enquanto outros nos imaginam em franco arrefecimento sanguíneo.

memórias de desertor infinito. às armas…

derrames…

temo não conseguir sonhar mais… esgotei as possibilidades (como é possível?) de adormecer. Eis o meu problema, será que sonho acordado?  estou perdido. quero caminhar e escorrego. caio e não me consigo levantar.

dúvida

mas depois repenso a minha existência e já não consigo transpirar de medo nem tampouco de loucura (inveja de infância? murmúrios abjectos).

O temor assevera o correcto e livre posicionamento na matriz do cosmos. desequilíbrio. tempos infindáveis de uma memória presa. Recorda-te.

recorda-te… enquanto podes…

Quero recordar sem peso, sem angústia e sempre etéreo o paraíso, talvez perdido, de mim próprio. Mas quero oferecer-te pelo menos uma lágrima. Uma réstia de mim percebes? Ruínas de um corpo obstinado.

Sou morto pela memória, desapareço pelo excesso. pelo detalhe, pela luxúria e derrame de imagens desvirtuadas de mim…

delírios em espiral

Porque saber delirar é uma arte. eu que o digo até porque por breves relances consegui mover-me por tentáculos e intermitências… tudo era desculpa, tudo era fome de um desejo perdido. voltamos à infância!

isso… deixa-te lançar as feras! Cobre-te dessas ilusões que tão bem crias. isso isso… anda.

se ao menos conseguisse pensar sozinho… vou fugir! sim. fui.

foge foge que te agarro…

cópia queimada

o medo intenso. que emoção! respeita-te e verás o medo nos outros. elimina o supérfluo, mantém-te no essencial. focus!

a atenção é fodida. não, luta. não te deixes levar. esfola se for preciso. burn yourself alive for fuck sake. sim. deixa-te escorregar pelo inferno dos momentos. imagina. consome. morre…

e volta a renascer. sim, re-nascer, já não és original. és cópia. merda de cópia.

o sono das tréguas

os escombros espreitavam-me ao longe enquanto eu bebia o café. sempre quis ignorar as tensões mas nunca consegui por alguma razão… infância mal digerida talvez. a impureza do olhar. sinto a sujidade, ataca-me. sai, grito, sai, e começo a rasgar a pele.

… sim… isso, já demoravas a agir! insinua-te e combate. revolta-te contra eles…


enquanto o céu esmorece e começa a sentir a escuridão a ganhar corpo… sou eu, digo, sou eu que me revejo na tragédia. o mundo sucumbe enquanto eu durmo. já não dormia fazia séculos. mas acordo como sempre acompanhado por ele, o meu amigo. meu único.

vamos, diz-me, vamos enquanto ainda sentes o calor na pele, o sangue tem de escorrer, tem de continuar enquanto respiro lentamente. és o palhaço do teu próprio circo. anda, diz-me, reinventa-te.

anda-te, reinventa-te, desmascara-te, sê tu. isso.

e assim deixei de ser mim próprio e passei a frequentar os sonhos dos outros, enquanto tentava adormecer sem tréguas…

ironias do inconstante

sinto-te. não uma daquelas sensações inequívocas, mas algo difusas no campo de actuação, tal como aquela expressão do “nada se perde, tudo se transforma”. Nada concreto, nem preciso de o ser. Basta a presença da sensação. no entanto era algo oblíquo, digamos. A  não-linearidade dispersava-se no espaço e no tempo à medida que a dor associada se tornava mais latente.

Sempre foi um mistério. A dor e uma sensação difusa não parecem um par feliz. ou talvez nem seja uma questão de paridade, mas uma questão de concordância. que dizer disto? não sou lacónico. sou algo difuso. se bem que entenda a difusão num sentido de dispersão e “desvio do padrão”.

mas, pensando bem, nada foi um padrão. ou mesmo o tempo se entendido como linear nunca o é porque nunca o detemos verdadeiramente. mas, afinal, o que é que verdadeiramente detemos? a incerteza por certo…

como é bom a ironia. e, no fundo, a metáfora do esforço desmedido enquanto casamento de opostos. o paradoxo. o inconciliável. deixemo-nos respirar no caos.

sim, a par e passo, afastamo-nos do conforto em direcção à morte. inconstante sim, mas nunca por certo…